sábado, 26 de fevereiro de 2011

APRENDENDO A ENSINAR


 

 

“Nenhum homem jamais descobre realmente aquilo em que acredita até que começa a instruir os filhos”. (Anônimo)

 

Ah, filhos... Já disse o poeta que melhor seria se... Será?
Somos quiçá capazes de imaginar como realmente seria a casa vazia, sem as risadas, a bagunça, o abraço... sem eles? E no entanto, não são poucas as vezes que olhamos para os nossos meninos e exclamamos, num misto de aflição e culpa: “O que está acontecendo com meu filho? Onde foi que nós erramos?”
A resposta a estas questões não é, nem de longe, simples. Mas é possível se refletirmos sobre quais princípios têm norteado a criação de filhos em nossa sociedade. Talvez uma rápida pincelada sobre as motivações que nos levam a falar, falar, gritar, brigar, bater (e nada resolver...) possa nos ajudar a discernir qual tem sido realmente o problema.
Todos sabemos que a infância é um período determinante na vida humana. São cerca de seis a sete anos em que as experiências vividas tornam-se fundamentais, por serem as primeiras. Nessa medida, todo cuidado é pouco na ação e reação ao que as crianças dizem, fazem e sentem. Nossos filhos não somente ouvem o que falamos, mas sim como falamos. E a forma como manifestamos a eles nossos temores, dúvidas e desaprovações lhes traduz nosso interior, o que sentimos, muito mais do que as mensagens que queremos lhes transmitir através de ordens e recomendações.
Como educadora, uma das frases que mais freqüentemente ouço é “Ele não se importa com o que digo”. Realmente, não se importa nem nunca vai se importar, se o que você diz não traduz quem você é. As crianças, justamente por terem pouco tempo de vida em sociedade, não re/conhecem os “meandros da sociabilidade”, que cerceiam nossas palavras e ações. Elas lidam com a VERDADE no seu mais concreto estado. Se dissermos a uma criança de 3 anos que seu pai está preso no trânsito, tenha certeza de que, para ela, o pai está “amarrado” literalmente, pois nesta idade a capacidade de abstração ainda não existe. Não é o que a palavra pode indicar em seus vários sentidos, mas o que a criança reconhece como sentido que faz sentido para ela. E, na 1ª infância, ela reconhece aquilo que vê, sente, toca e experimenta concretamente. E o que ela reconhece como sentido é o que aprende observando os adultos mais próximos, sua família. Este é o primeiro princípio. As crianças têm olhos especiais, diferentes dos nossos e, se seu olhar foi contaminado, temos nossa parcela de responsabilidade.
Precisamos encarar de frente o fato de que temos falhado, família e escola, no modo de educar nossas crianças porque, apesar do grande salto tecnológico deste século, ainda estamos presos aos velhos paradigmas e julgamos desnecessário conhecer como elas são, pensam e sentem. E desconhecemos porque não obedecemos ao segundo princípio, ou seja, não nos tornamos como elas mas apenas deduzimos, do alto de nossa onipotência, que sabemos como as coisas funcionam e como fazer. “É só educar como fui educado ou exatamente ao contrário”. Simples? Nem um pouco, se considerarmos que estamos partindo de um ponto de vista adulto, pré-concebido e não do que a criança realmente é, de sua individualidade, que precisa ser conhecida por cada pai e cada mãe, de forma única porque única é. Cai então o mito de que criamos a todos da mesma forma: não podemos nunca realizar esse “sonho”, pois os irmãos insistem nessa “inconveniência” de nascerem diferentes entre sí. Seria melhor se fossem iguais, daria menos trabalho... E então nos guiamos pelo senso comum, aplicamos fórmulas, reagimos em função do que vai “parecer” melhor. Melhor para quem, cara pálida? No final, o que resta é um imenso sentimento de culpa por não termos feito tudo que realmente queríamos e precisávamos fazer. E quem disse que podemos fazer tudo? Perdemos tempo e energia em querer fazer o TUDO e nos esquecemos do ESSENCIAL que, como nos disse uma criança (sábias crianças! Feliz de quem se permite ouvi-las!) chamada “Pequeno Príncipe”, “é invisível aos olhos...”
O essencial para educar é ser educado e este é o terceiro princípio: só podemos dar o que recebemos ou buscamos receber. E como poderemos ser bons pais e mães se tudo o que temos é a experiência de aprender com os próprios erros, quando às vezes já é tarde demais? Precisamos quebrar paradigmas, pré-conceitos que nos impedem de sermos homens e mulheres plenos de humanidade e de gerarmos frutos saudáveis. Precisamos aprender sim, a todo instante, através do conhecimento acumulado e, principalmente, através da observação e compreensão de como somos nós, de verdade, e de como são nossas crianças. Bruno Bettelheim, famoso estudioso do comportamento infantil, disse que “a maior parte das tragédias familiares e muito da violência poderia ser evitada se os pais pudessem se livrar de noções pré-concebidas que sobre como eles ou seus filhos deveriam ser”.
Por fim, o quarto princípio que deve ser questionado é o negativismo do erro. Nossa intolerância com o erro, seja em que situação for, nos priva do caráter pedagógico da experiência. A própria palavra experiência carrega, simbolicamente, o risco, a tentativa, a incerteza do acerto. É necessário que tomemos as rédeas de nossas vidas de uma vez, não permitindo que a expectativa de uma perfeição que não existe venha a nos cegar para o entendimento de que a vida é uma sucessão de riscos que, não necessariamente serão mortais, pois não estamos à deriva no espaço sideral. Se estamos, como explicar o fato de que ainda não nos auto-destruímos, já que munição é o que não falta??? Quando nossos filhos erram, não estão nos desafiando ou provando nossa incapacidade de lhes transmitir noções de conduta... Eles “erram” porque vivem e têm o direito de experimentarem a vida.
Até quando, apesar de termos feito tudo o que fizemos, ainda seremos os mesmos e viveremos como nossos pais?

Maria Isabel Fester, 31, casada, membro da Ig Presb da Barra da Tijuca/RJ, onde coordena o MICID (Ministério da Cidadania). É educadora e pedagoga e trabalha como professora da Rede Municipal do RJ.
Artigo publicado na revista Entre Nós

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